Nhaman Garénon Daigran

 


As cheias das bacias hídricas no norte fluminense - À espera de uma renovação para os Guaitacá - Parte I

"O texto a seguir expressa a crença de que os ciclos naturais estão intimamente ligados aos costumes e às alegrias do povo Guaitacá." 


Será que setembro trará "nhaman" (água, chuva)? Outubro dançará com honras de alegria quando começar o grande "nhaman garénon daigran" (dilúvio, inundação)? Certamente, ainda que demore, novembro não ficará desanimado. Dezembro encherá as suas "nhamen-mutly" (tigelas, igaçabas)!
As chuvas começam na primavera. É nesse período que o rio Paraíba do Sul, o Grande "Banáni"*, agradece a Tupàng** pela honra de receber a chuva. Até então, a campina não vertia lágrimas, estava sedenta, quase sem vida. Os lençóis freáticos alimentavam os corpos d'água que ainda restavam. O céu celebrou, saudou a pomposa chegada das nuvens. Como é lindo ver o Grande Banáni transbordar e as águas fluírem livremente pela planície! "Ténu a hy" ("grato") — agradece os bravos guerreiros. Todo o povo está contente com as chuvas e as cheias dos rios da planície. A Lagoa Grande, "o grande mar de água doce"*** é como uma mãe que alimenta suas lagoas-filhas de seu entorno. Em dezembro, ela dirá: "Ténu a hy" ao Grande Banáni e ao rio Ururaí por enchê-la novamente.
[Continua]

Consulte a Língua Indígena Coroado listada pelo viajante Carl Friedrich Philipp von Martius.
*"Banáni", "rio sinuoso", assim chamado pelos índios puris (SOUZA, José Adal Pereira de. Custódio Ferreira Leite, Barão de Ayuruoca. Ed.: Clube de Autores. 2019. p.181)
**"Tupàng" é uma palavra de origem tupi que aparece na lista Coroado de Martius.

SAMPAIO, Theodoro. O Tupi na Geographia Nacional. Memória Lida no Instituto Historico e Geographico de S. Paulo. São Paulo: Typ. da Casa Eclética, 1901. p.154



 

*** "grande mar d'água doce" MALDONADO, Miguel Ayres e PINTO, Jozé de Castilho. Descripção que faz o Capitão Miguel Ayres Maldonado e o Capitão Jozé de Castilho Pinto e seus companheiros dos trabalhos e fadigas das suas vidas, que tiveram nas conquistas da capitania do Rio de Janeiro e São Vicente, com a gentilidade e com os piratas n’esta costa. Revista do Instituto Histórico e Geographico do Brasil, tomo LVI. Rio de Janeiro: Companhia Typographica do Brazil, 1893. p.353

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