Nhaman Garénon Daigran

 As cheias das bacias hídricas no norte fluminense - À espera de uma renovação para os Guaitacá - Parte II


A Dança dos Surubins

    A chuva deu uma trégua no vale do Grande Banáni (rio Paraíba do Sul). A tarde caiu e uma super lua (tagleman) ergueu-se no horizonte acima de um grande corpo d'água. Os raios luminosos da lua cheia trouxeram os surubins para a superfície na grande inundação de água doce. O cardume dos bagres surubins é um cortejo de grande honra assistido pelo povo da aldeia. O cacique (tshemim d'yáuna) perguntou aos guerreiros: "Quem dançará com o surubim- chefe?". 

 "Aquele que tiver um coração forte", responderam os guerreiros.

Imediatamente um menino desmamado correu para uma choupana onde estava o guerreiro mais velho da aldeia. O menino contou ao velho homem sobre a pergunta do cacique. Então, o bravo guerreiro tirou as plumas do seu colar e pôs nas mãos do menino e disse:

"Leve essas plumas para o Tshemim D'yáuna. Você tem um coração forte. Suas mãos podem proteger essas plumas"

O menino segurou fortemente as plumas e correu em direção ao cacique. O vento soprou os cabelos do menino e também as plumas. Mas o menino não deixou escapá-las. Ele conseguiu aproximar-se do cacique. Quando o chefe da aldeia viu as plumas nas mãos do menino ele perguntou:

 "Pode um guerreiro enfeitar o peixe com plumas?"

O menino respondeu:

  Oáh! (Sim). 

Referindo-se à mãe do menino, o cacique indagou:

"Será que a brava guerreira já fez um pingente verde para o peixe?" 

O menino disse: 

"Eu não sei."

Então o cacique disse:

"Oáh, a sua aián (mãe) já fez um pingente para o bravo peixe. Entregue-me as plumas."

O menino deu as plumas para o cacique e os guerreiros começaram a tocar os seus tambores. A lua cheia elevou-se no horizonte e o jovem desmamado começou a dançar. Os bagres surubins foram atraídos pela claridade lunar e começaram a dançar na superfície da lagoa. Então o cacique chamou o menino e colocou nele um colar feito com as plumas que ele recebeu, porém sem o pingente de pedra verde. O menino agradeceu ao cacique e perguntou:

"Onde está o pingente verde que a minha aián fez?"

O cacique respondeu:

"Você tem um coração forte pois não deixou as plumas do bravo guerreiro escapar de suas mãos. Você é o pingente, jovem guerreiro. Tão verde quanto o xapúco que seco estava, mas agora no tempo correto recebeu a chuva."

"Ténu a hy" (grato), agradece o menino ao cacique por receber o nobre colar e por entender que é importante preservar as memórias de seu povo através dos ensinos dos mais velhos.

Então o cacique disse aos guerreiros:

    "Vistam-se todos os guerreiros, Mopis e Iacoritós, com seus saiotes de palha e vamos dançar com nossos amigos surubins, pois deixaram o fundo do Grande Banáni para nos saudar e celebrar conosco o período das cheias que se inicia agora."

[Continua]

*tagleman, "lua cheia". Clique no link ->Língua Indígena Coroado

* "plumas" e "pedras verdes" (Jean de Léry. Uma Viagem à Terra do Brasil. Ed.: Biblioteca do Exército, 1961, p.64) eram objetos de grande valor para os indígenas que viviam no século XVI.

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